O labrador mudou a vida de uma paulistana e abriu as portas da cidade para seus semelhantes
Rafael Barifouse
Thays Martinez realizou um sonho de infância aos 26 anos: caminhar sozinha à beira mar. Deficiente visual desde os quatro, por causa de uma caxumba, a advogada não tinha referências suficientes para andar com a bengala na areia. Tudo mudou em 2000, em Peruíbe, litoral sul de São Paulo. O passeio de meia hora, com direito a um mergulho de lavar a alma, só foi possível por causa do novo companheiro: o cão-guia Boris. “Tinha me formado e já trabalhava. As pessoas achavam que estava bom. Mas Boris me fez mais livre”, diz. Depois de conhecer o labrador no centro americano Leader Dogs, no estado do Michigan, ela ganhou autoconfiança para mudar de vida. Hoje, aos 31 anos, mora sozinha, namora e dirige a ONG Iris. “Passei a fazer escolhas sem medo de errar. Boris me levou por caminhos que eu nunca tinha percorrido.” Ele virou um símbolo quando foi protagonista de uma disputa com o metrô em 2000. A entrada de cães-guia era permitida por lei municipal, mas foram necessários seis anos de briga na Justiça para garantir esse direito. Hoje, restaurantes, shoppings, teatros, supermercados, casas noturnas e meios de transportes são multados em até R$ 50 mil caso desrespeitem a lei. Boris foi parar nas páginas dos jornais como o Élvis dos cães-guia, que havia aberto, literalmente, as portas da cidade para eles.
O labrador já havia dado sinais de que não era como outros cães. Treinado por um homem, ele não aceitava ordens de Thays nos primeiros dias de treinamento. Para piorar, era o líder do bando e não se dava às mesmas gracinhas que os companheiros. Não gostava de brinquedos, por exemplo, apenas de garrafas de plástico, mas, segundo a dona, perdia o interesse assim que tirava a tampa. Andava como queria, por onde queria, enquanto Thays trombava com obstáculos e agradecia por eles serem de isopor.
A advogada chegou a pensar que aquela segunda tentativa de ter um cão-guia terminaria em frustração como quatro anos antes. “Ele tinha um vínculo forte com o treinador”, diz Moisés Vieira Junior, preparador brasileiro que acompanhou a advogada na viagem. “Isso foi bom. Quando o vínculo foi transferido, ele virou o melhor cão-guia do mundo.”
Boris tinha vocação para a profissão. Era capaz de voltar ao mesmo lugar já na segunda visita. Andava rápido quando a advogada estava de tênis e devagar nos dias de salto. Calculava o espaço necessário para ela não esbarrar em nada quando carregava sacolas. Mas também aprontava. Um dia, fez Thays desviar de uma árvore caída e ganhou um biscoito pelo bom trabalho, como de costume. A fez desviar outras vezes até que a dona perguntou aos moradores da rua se havia muitos troncos no caminho. Tudo estava normal, e o estômago de Boris, mais cheio. Ele só dava problema com outros de sua espécie. “Boris não se dava muito com cães. Certas situações me fizeram crer que ele achava que era gente”, diz Thays. Como quando cutucava alguém e, em seguida, colocava o focinho no sofá para pedir para sentar. Ou quando a advogada se pesava na farmácia e ele subia na balança logo depois.
Boris foi os olhos de Thays por quase nove anos. Aposentou-se em novembro de 2008 depois da chegada do labrador Diesel. No começo, Boris ainda ia até Thays quando a ouvia acordar. Ao se dar conta de que outro estava em seu lugar, deu um gelo na dona por um tempo, mas acabou aceitando. Chegou a aproveitar a aposentadoria quando viveu um tempo com um casal de amigos da advogada. Já se permitia brincar com outros cães e até a paquerar. De repente, começou a ficar abatido e recusar comida. Na segunda consulta, veio o diagnóstico: câncer de coração com metástase nos pulmões e abdômen. “Não tinha cura”, diz a veterinária Renata Corigliano. “Demos qualidade de vida. Foi muito rápido”. Boris foi sacrificado no final de outubro, aos 11 anos. Foi-se com a missão cumprida e um pouco além.
Sentada na sala de sua casa, Thays se emociona ao lembrar do seu “marido de um casamento arranjado”. Os momentos vêm em flashes. A descoberta de uma rua, as aulas do MBA e a festa que faziam para ele na chegada ao trabalho. Uma das lembranças mais recorrentes é a maciez do seu pelo “de pelúcia” cor caramelo. Ao recordar da primeira caminhada, ela conta que vai voltar a Peruíbe para se despedir dele com cinzas ao mar. Diz ser incapaz de encontrar só uma palavra para definir Boris. Depois de refletir, acha uma à altura para o cão-guia que fez com que ela e tantos outros enxergassem o mundo à sua maneira: “Luz”.
Treinado no centro americano Leader Dogs, Boris foi os olhos de sua dona, Thays Martinez, por nove anos
O labrador já havia dado sinais de que não era como outros cães. Treinado por um homem, ele não aceitava ordens de Thays nos primeiros dias de treinamento. Para piorar, era o líder do bando e não se dava às mesmas gracinhas que os companheiros. Não gostava de brinquedos, por exemplo, apenas de garrafas de plástico, mas, segundo a dona, perdia o interesse assim que tirava a tampa. Andava como queria, por onde queria, enquanto Thays trombava com obstáculos e agradecia por eles serem de isopor.
Boris tinha vocação. Calculava a velocidade para a dona não esbarrar em nada. Mas também aprontava |
Thays teve de lutar na Justiça para garantir o direito de andar com Boris no metrô
Boris foi os olhos de Thays por quase nove anos. Aposentou-se em novembro de 2008 depois da chegada do labrador Diesel. No começo, Boris ainda ia até Thays quando a ouvia acordar. Ao se dar conta de que outro estava em seu lugar, deu um gelo na dona por um tempo, mas acabou aceitando. Chegou a aproveitar a aposentadoria quando viveu um tempo com um casal de amigos da advogada. Já se permitia brincar com outros cães e até a paquerar. De repente, começou a ficar abatido e recusar comida. Na segunda consulta, veio o diagnóstico: câncer de coração com metástase nos pulmões e abdômen. “Não tinha cura”, diz a veterinária Renata Corigliano. “Demos qualidade de vida. Foi muito rápido”. Boris foi sacrificado no final de outubro, aos 11 anos. Foi-se com a missão cumprida e um pouco além.
Sentada na sala de sua casa, Thays se emociona ao lembrar do seu “marido de um casamento arranjado”. Os momentos vêm em flashes. A descoberta de uma rua, as aulas do MBA e a festa que faziam para ele na chegada ao trabalho. Uma das lembranças mais recorrentes é a maciez do seu pelo “de pelúcia” cor caramelo. Ao recordar da primeira caminhada, ela conta que vai voltar a Peruíbe para se despedir dele com cinzas ao mar. Diz ser incapaz de encontrar só uma palavra para definir Boris. Depois de refletir, acha uma à altura para o cão-guia que fez com que ela e tantos outros enxergassem o mundo à sua maneira: “Luz”.
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